Eclesiologia Católica Orienta - Primado e Infalibilidade: o que teologia diz? - Parte III

Em 16 de outubro de 1963, Kyr Elias Zoghby, Vigário Patriarcal no Egito e no Sudão, lembra numa importante intervenção no Concílio Vaticano II o ponto de vista o ponto da teologia oriental sobre o exercício do primado romano e suas relações com o episcopado.
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Estas duas partes da Igreja, o Oriente e o Ocidente, viveram suficientemente em paz durante o primeiro milênio, com a sua própria constituição, sua própria disciplina, sua própria teologia, seus próprios usos, suas línguas, seu carácter e sua espiritualidade. O estado de separação é um estado anormal na Igreja. Seria bom prever alguns parágrafos sobre as Igrejas particulares, tanto latinas como orientais.

No que concerne, por exemplo, ao primado do Pontífice Romano, as Igrejas Orientais nunca negaram a sua existência, nem que ele fosse o princípio da catolicidade. Mas, de fato, após tantos séculos de separação, esta doutrina, entre nós, conheceu tal evolução unilateral que dificilmente pode ser reconhecida por nossos irmãos ortodoxos. Outrora a Igreja Romana exercia raramente o seu primado sobre o conjunto das Igrejas Orientais e sobre aqueles que desde tempos imemoriais, enquanto Igrejas maiores, apostólicas, patriarcais, exerciam um primado sobre as Igrejas vizinhas e que hoje ainda fundamentam a estrutura eclesial. Esta última consideração é da maior importância e indispensável a todo diálogo com as Igrejas Orientais separadas de nós.

Sob a sua forma moderna, insinuada em nosso esquema, a doutrina do primado, que se encontra muito espalhada em vários parágrafos, é proposta de maneira muito unilateral, tornando-se quase inaceitável pelos Ortodoxos. Ela oferece, com efeito, um aspecto teológico elaborado somente pelo Ocidente, sem o concurso da Tradição Oriental.

A Tradição Oriental, junto à Tradição Ocidental, teria impedido que a doutrina do primado tomasse proporções tão inadequadas perante o episcopado. Isso deve ser afirmado, sobretudo hoje, com o desenvolvimento do ecumenismo, no momento em que os esforços dos católicos pela unidade são tomados em consideração por todos.

Três observações ilustrarão as minhas afirmações:

1) Todas as vezes que no Esquema se trata da autoridade dos bispos, esta é subordinada à autoridade do Pontífice Romano. Esta afirmação, repetida em excesso, acaba por aborrecer e levar a crer que a autoridade do Pontífice Romano é uma limitação da autoridade dos bispos.

Ora, o primado de Pedro em seus sucessores é um dom inestimável dado às Igrejas e não se deve restringi-lo a um jugo imposto pela força. A autoridade do Pontífice Romano não foi dada para restringir a autoridade dos bispos, mas para defendê-la e sustentá-la, assim como numa família a autoridade do pai confirma e sustenta a autoridade da mãe, mas não diminui de modo algum, se bem que ela se estenda à mãe e aos filhos.
É preciso contentar-se com afirmar uma vez por todas a dependência do corpo episcopal relativamente ao Papa, sem repetir indefinitivamente essa afirmação. Sigamos neste ponto a advertência do próprio Pedro: "Sede sóbrios e vigiai". Por que não se referir cada vez a Cristo, logicamente o soberano Pastor, donde provém todo poder e o próprio sacerdócio, tanto do Pontífice Romano como dos outros Bispos?

Por outro lado, os autores do esquema, obcecados pelo Primado, parecem ter negligenciado o ponto essencial, a saber, a doutrina do Cristo-sacerdote e a doutrina dos sacramentos por ele instituídos, sobretudo a Eucaristia, laço de unidade no interior de cada Igreja e na Igreja Universal.

2)Fala-se muitas vezes do poder episcopal e colegial, mas sob a dependência do Pontífice Romano. Não há outra verdade a afirmar e a sublimar ainda mais no Esquema, a fim de obter o equilíbrio, a saber que a autoridade do Pontífice Romano não é absoluta, isolada, independente da existência do Colégio dos Bispos? Não mais que a autoridade de Pedro, a do Pontífice Romano não pode ser compreendida e explicada senão em relação ao Colégio ao qual ele preside e que assume verdadeira e eficazmente, sob seu primado, a responsabilidade por toda Igreja. Esta mútua interdependência entre a Cabeça e o Colégio não é somente conforme a realidade, mas aparece necessária a todo diálogo com a Ortodoxia.

3)Que me seja permitido chamar a atenção para o §16, p. 29, linha 4, no qual se opõe “o sucessor de Pedro, o Pontífice Romano, e os bispos sucessores dos Apóstolos”. O Pontífice Romano, sucessor de Pedro enquanto Pedro, é também sucessor dos Apóstolos enquanto Bispo, da mesma forma que os outros bispos, sucessores dos Apóstolos, são de algum modo sucessores de Pedro, enquanto Pedro é Apóstolo. Proponho a seguinte correção: “O Pontífice Romano, sucessor de Pedro como chefe, e os outros Bispos sucessores dos Apóstolos”. A tendência várias vezes já demonstrada no Concílio de separar o Pontífice Romano do Colégio dos Bispos é mais prejudicial que útil. Assim fazendo, permitimos que se anulo o dom maior, a maior graça do Pontífice Romano, a graça do Episcopado. A maior graça, com efeito, que Pedro recebeu de Cristo foi sua escolha como Apóstolo e como membro do Colégio Apostólico, no qual o encargo de “confirmar os outros” não é algo de particular que se acrescenta a sua iminente vocação apostólica propriamente dita.

O sucessor de Pedro, o Pontífice Romano, é antes de tudo um Bispo. Esta graça do episcopado continua para ele mesmo após sua eleição para o Supremo Pontificado, a mais importante de toda a sua vida. Pelo fato de ele ter o encargo de confirmar todos os seus irmãos, o Pontífice Romano não cessa de fazer parte do Colégio apostólico, ela não se torna bispo universal no sentido de que se substituiria aos outros, assim como muito bem o declaram os Bispos alemães – a Bismarck em 1875, numa carta que o Papa Pio IX aprovou solenemente e que poderia ser lembrada pelo nosso Esquema. Segundo a tradição, o Papa não é direitamente eleito pelo Conclave ao Pontificado Romano, mas para a Sé Romana, que foi a de Pedro. Eleito para a Sé de Pedro, ele sucede, em razão disso, a Pedro em seu Primado. É por isso que os eleitores do Pontificado Romano, qualquer que seja a nação a que pertençam, são titulares da cidade de Roma, ou das Sés suburbicárias. Nós somos muito reconhecidos a nosso Papa Paulo VI, a exemplo de seu predecessor de Santa Memória João XXIII, que solenemente declarou no início desta seção que esta Sé Romana era sua, sua própria sede. “O Colégio dos Cardeais, disse ele, quis eleger-me para a Sé Episcopal de Roma e em consequência ao Supremo Pontificado da Igreja Universal”. Antigamente, esta verdade tinha sido esquecida pelo espírito dos fiéis.

Enfim, antes de concluir, no que concerne à colegialidade episcopal, sobre a qual os Padres muito discutiram aqui, eu me espanto que tantos duvidem ainda, enquanto isso é evidente pela vida da Igreja dos primeiro séculos, de que a colegialidade tenha estado em virgo e continue ainda hoje em vigo nas Igrejas Orientais. No regime patriarcal, o sínodo ocupa um lugar muito importante. Nenhuma decisão importante é tomada sem o Sínodo ou fora dele. Os Metropolitas, depois os Patriarcas, consciente da obrigação que eles tinham de salvaguardar a unidade entre as Igrejas, tinham o costume de trocar cartas sinodais, para chegar juntos a soluções comuns. Fazendo assim, eles estavam persuadidos de continuar a Tradição apostólica.

Comentários

  1. Parabéns pelo blog, sou catecúmeno latino e tenho um grande interesse na Igreja Greco-Católica Melquita. Continuem atualizando o site, não deixem sair do ar, há muita preciosidade por aqui. E não esqueçam de criar página no facebook.

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