Eclesiologia Católica Oriental: Primado e Infalibilidade - Parte I


Os textos abaixo são intervenções dadas pelo Patriarca Máximo IV Sayegh dos Greco-Melquitas durante o Concílio Vaticano. Eles fazem parte do entendimento dos Católicos Orientais sobre a doutrina da Primazia e a Infalibilidade.
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Em vez de dizer que o Colégio Episcopal só tem autoridade (trata-se, bem entendido, de autoridade universal) quando unido ao Pontífice Romano, preferimos dizer que o Colégio Episcopal, de que o Papa faz parte como Presidente, só constitui um Colégio se unido com o Pontífice Romano, que é o seu Presidente. É uma diferença de perspectiva não desprovida de importância. Há uma tendência no Ocidente de situar o Papa não só à frente do Colégio Episcopal, o que é correto, mas fora dele, o que é falso. Da mesma forma, há uma tendência de considerar o Papa fora do Concílio Ecumênico. Este estudaria, discutiria, proporia e o Papa confirmaria e sancionaria. Mais de uma prova poderia ser carreada para demonstrar a existência dessa mentalidade, que não nos parece adequada à realidade.

Natureza do primado Romano


O esquema parece afirmar que o Pontífice Romano tem por ele mesmo um poder pleno e universal sobre toda a Igreja. Desejar-se-ia precisar que este poder universal do Papa só lhe é dado enquanto chefe da Hierarquia e não em vista de cumprir este ministério primacial. Importa, com efeito, mostrar que este poder universal do Papa é a consequência de um ministério de chefe da Igreja, o que não é um privilégio sem fundamento nem utilidade pública.

Em segundo lugar, desejar-se-ia precisar que este poder universal do Papa é essencialmente um poder pastoral e pessoal. É pastoral no sentido de que não é uma prerrogativa que lhe permite mandar pelo prazer de mandar ou dominar por dominar o resto da Igreja. O poder na Igreja é uma “diakonia”, um ministério, um pastorado. Este é o motivo por que o Oriente não gosta do termo jurisdição, tão caro aos canonistas do Ocidente, pois ele transpira uma concepção de poder puramente humana, feita de superioridade e domínio sobre os outros. Além disso, este poder universal do Papa é estritamente pessoal. O Papa pode certamente fazer-se ajudar por toda sorte de colaboradores, mas ninguém compartilhar com ele o seu primado na Igreja. Esta observação tem numerosas consequências práticas. No catolicismo de hoje, todos aqueles que, de perto ou de longe, estão a serviço da administração pontifícia reclamam um primado sobre os outros Bispos do mundo e mesmo sobre os titulares de outras sés apostólicas da cristandade... Convém precisar com muita clareza que o primado e a infalibilidade do Papa são estritamente pessoais.

Para designar a autoridade universal do Colégio Episcopal, unido naturalmente a seu Chefe, o Pontífice Romano, o Esquema emprega uma perífrase tortuosa para anular essa ideia. Ele diz que o Colégio Episcopal “indivisum subjectum plenae et supremae potestatis in universam Ecclesiam creditur”. Por que este creditur e por que subjectum potestatis, que se poderia interpretar a rigor subjectum delegatum potestatis, segundo a doutrina tão cara a certo canonista que pretendem que nenhum poder exista na Igreja se não provier do Papa? A verdade é que o Colégio Apostólico tem verdadeiramente um poder universal na Igreja e este poder lhe provém de Cristo diretamente. É um poder nativo, original, divino, ordinário, inalienável.

O que a colegialidade episcopal implica


 Falando do poder colegial do Bispos, isto é, de seu poder enquanto membro do Colégio Episcopal, o esquema o reduz a uma simples solicitude universal, muito útil a toda a Igreja. É muito pouco. É verdade que o poder colegial de cada Bispo sobre o conjunto da Igreja não é o mesmo que o seu poder direto sobre a sua diocese. Mas também não é uma simples solicitude pelo bemgeral da Igreja, 

De fato, as responsabilidades que o Esquema atribui nas linhas seguintes ao Colégio Episcopal ultrapassam a simples solicitude e constituem um verdadeiro poder.

Colegialidade e missão


A obrar da evangelização do mundo não é, de si, uma das competências exclusivas do Bispo de Roma. É, antes, uma missão dada por Cristo a todos os Apóstolos e,depois deles, a todos os Bispos da Igreja, e, de fato, a história eclesiástica nos mostra que muitos outros Bispos da Cristandade ocupam-se em evangelizar o mundo enviando missionários e mantendo-os, fundando Igrejas novas e organizando a hierarquia em país de missão. Mas, de fato, hoje, para evitar uma inútil dispersão de forças e melhor organizar as obras de evangelização, a alta direção das missões foi reservada ao papa.

De onde vem a missão canônica do Bispo?


Certa escola de canonistas do Ocidente afirma, como já o vimos, que nenhum bispo recebe missão sobre a sua diocesa senão por intervenção direta ou indireta do Papa. Esta opinião teve lugar no antigo Esquema. O novo Esquema corrigiu esta asserção absolutamente inaceitável. Nada na Escritura ou na tradição prova, com efeito, que a missão canônica dos Bispos para a sua dioce lhes vem exclusivamente do sucessor de Pedro. Os canonistas em questão simplesmente transplantaram para o plano universal de toda a Igreja e para o plano da doutrina o que era de fato contingente do Patriarcado do Ocidente. No Ocidente, depois de certo tempo, a missão canônica e mesmo a eleição dos Bispos foram reservadas de fato ao Pontífice Romano. Mas não foi sempre assim na Igreja, desde a origem e em toda a parte.

Diante desta consideração que fizemos valer energicamente na Comissão Central, o novo Esquema introduziu nuances em suas asserções e reconheceu que a missão canônica podia ser dada em virtude das leis ou dos costumes legítimos, não revogados pela autoridade suprema (que é não somente a do Papa, lembremos de passagem, mas também a dos Concílio Ecumênicos). Esta missão canônica pode ser dada diretamente pelo Pontífice Romano, seja como Patriarca do Ocidente, seja como sucessor de Pedro. Mas não é pelo mesmo título que o Papa nomeia os Bispos do Ocidente e pode ser chamado, em certos casos, a nomear os Bispos do Oriente. No primeiro caso, ele age como Patriarca do Ocidente auxiliado ou não pelo Sínodo (ou melhor, pelo Consistório ou pela propaganda). No segunda caso, ele age como chefe da Igreja, quando a bem da Igreja Universal exige, de um modo excepcional, a sua intervenção é direta, por sobre as instituições próprias do Oriente. Em segunda lugar, é verdade que o Papa pode depor um Bispo por motivos muito graves. Mas a redação do Esquema arrisca-se a equívocos, como se nenhum Bispo pudesse ter missão em sua diocese se não fosse aceito positivamente pelo Papa. Tal modo de apresentar, baseado sobre as pseudodecretais, esteve na origem, como se sabe, do conflito entre o Papa Nicolau I e o Patriarca Fócio. Em consequência, é preciso emendar o texto do cânon 392 § 2 do Motu Proprio “Cleri Sanctitati”.

Fundamento da infalibilidade pontifícia.


O Papa é infalível apenas porque ele é o Chefe do Colégio Apostólico e porta-voz da infalibilidade deste Colégio e de toda Igreja. Quando assim esclarecido, a infalibilidade torna-se compreensível. Não é mais do que um privilégio honorário. O Papa não proclama dogmas infalíveis sem razão; sem fundação, sem referência das Escrituras, da Tradição, e da Igreja, desnecessariamente, apenas para mostrar que é papa. A infalibilidade é um carisma dado a ele pelo bem-estar geral e proveniente de seu ministério. Essas clarificações são absolutamente essenciais e indispénsáveis para qualquer um que queira trabalhar na União das Igrejas, pois elas não foram suficientemente tomadas em consideração até agora.
O texto do Esquema reproduz literalmente a definição da infalibilidade dada pelo Vaticano I. Mas esta definição deu lugar, de fato, a más interpretações e a exageros lamentáveis. É preciso que o Vaticano II esclareça a noção e a torne mais clara. Assim, o “ex sese” (por si mesmo) torna-se mais preciso se se dizer: “ex officio suo” (pelo seu ofício); o “non ex consensu ecclesiae” (não por consenso da igreja) fica mais preciso se se dizer: “non ex delegatione, Nec ex canônica, etsi implícita, collegiali confirmatione” (Não pela delegação, nem o clero, ainda que implicitamente, uma confirmação colegial).

Em segundo lugar, é verdade que as definições do Papa são irreformáveis e sem apelo, mas pensemos que é necessário acrescentar um matiz, a saber, que as definições do Papa não podem contradizer a Fé da Igreja e do Colégio Episcopal.

Tais esclarecimento são geralmente admitidos hoje em dia. Convém inseri-los, a fim de que o Vaticano II traga nova luz à doutrina da infalibilidade pontifícia.

Primado e Soberania


Preferimos não introduzir na Igreja a noção de soberania, do direito público internacional. Se o poder do Papa fosse um poder soberano no sentido profano, seguir-se-ia logicamente que todos os outros poderes da Igrejam seriam poderes delegados. Ora, como vimos, tal não ocorre. O poder do Papa é tradicionalmente qualificado na Igreja pela palavra Primado. É melhor ficar com ela e evitar empréstimos ao direito profano. É preciso também não esquecer que o Papa não é a única autoridade máxima da Igreja. O mesmo poder cabe ao Concílio Ecumênico, quer dizer, ao Colégio Episcopal, o Papa à sua frente. Por outro lado, mesmo o Código de Direito Canônico Latino compreende sob a expressão “De suprema potestate in Ecclesia” tanto o Papa como o Concílio Ecumênico.

O papa, guardião da Colegialidade Episcopal


O episcopado que sucede ao Colégio Apostólico não é, antes de tudo, a soma das dioceses formando cada uma um todo relativamente fechado em torno de seu bispo. Ele é, antes de tudo,  o Colégio Apostólico, tendo em comum a responsabilidade da humanidade inteira a ser assimilada a Cristo.

E responsabilidade não é de dominação, mas estritamente de serviço. Se, para exprimir esta responsabilidade, é necessário fazer uso do conceito de autoridade, ela não se exprime satisfatoriamente em termo muito acentuados de “jurisdição”. Este é o motivo pelo qual, parece-nos, as expressões jurídicas “de direito divino”, “de direito eclesiástico” deveriam muitas vezes ser substituídas elas expressões: “realidade evangélica”, “realidade apostólica”, “ordenado no Espírito Santo”.

É, a fim de melhor servir o rebanho que ele é dividido em grupos, seja "patriarcal", "metropolitana", ou "diocesana", sem prejuízo para o primário responsabilidades retidos por todos e cada um dos bispos em relação à Igreja como um todo.
Em tudo isso, e até este ponto, o papa é igual a todos os outros bispos. Ele passa, contudo, a uma segunda realidade, para precisamente secundar o episcopado uno sua missão. Pois o episcopado tem a necessidade de conservar a unidade. O papa é reconhecido como responsável para conservar a unidade coletiva. Esta unidade não pode ser reduzida em ele mesmo sozinho ou em certo carisma que ele possua. Pelo contrário, ele deve adaptar-se a "catolicidade", a fim de servi-lo com a sua variedade de dinamismo, sabendo que ele é, como tal, não pessoalmente co-extensivo com a Igreja e que a Igreja não é coextensiva com ele ... pois isto poderia  reduzir novamente a Igreja ao Papa, o "catolicismo", à sua pessoa ... na verdade, como resultado da história até agora, tornando-se co-extensivo com latinismo.

Assim como os bispos têm poderes sobre o rebanho, a fim de servir a Igreja – os poderes vem impregnados com humildade-assim também o Papa, a fim de servir o episcopado em sua missão, tem poderes imbuídos de humildade e de encargos pela finalidade de suas funções, mas que não cria o episcopado, da qual ele é o servo do episcopado, mas continua a ser um membro. Seus irmãos bispos, na situação em que a vida os colocou, tem a mesma autoridade que ele na parte imediata de suas responsabilidades atuais: diocese, primazia e Patriarcado.

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