Metanoia, ascese, apatheia, hesychia: A prática da vida interior
A prática da vida interior para o homem moderno Ocidental
parece um luxo. Mediante desta vida interior, os monges, anacoretas e
peregrinos podem concentrar em seu coração e repetir sem parar a oração de
Jesus: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim,
pecador", ou acompanhar a pronúncia do nome santo do Senhor com o ritmo da
respiração.
Atualmente, o homem submerso em suas intensas atividades
parece ter uma missão principal "Submeter e dominar a terra"; isto é,
não tentar buscar a salvação da alma, a própria quietude, paz e tranquilidade,
mas jogar-se na luta diária, para a política, para resolver os problemas
sociais e econômicos, e buscar o domínio das coisas, pensando assim em melhorar
o mundo, mas sem Deus, sem submeter a sua Santa Vontade.
Nas vinte quatro horas, ocupado e preso nos problemas
diários, não tem tempo para estar consigo mesmo e desfrutar dos valores
espirituais. O excesso de ativismo pode acarretar um suicídio particular, com a
morte espiritual e logo, a pessoal.
Não é suficiente fazer bons propósitos pela manhã e não
desejar retirar-se pra o deserto, ou um mosteiro, para estar sozinho, para
estar com Deus. Precisamos ir mais longe. A paz, a contemplação, a união com
Deus, o domínio, o silêncio interior, também podem ser obtidos por meio do
trabalho, ao lado de um irmão que não se conhece, quando está sentado com ele,
lado a lado, em um ônibus. Com esforço e perseverança e ajuda de Deus, se pode
fazer uma “cela”, um lugar desértico no próprio coração, no centro de uma
cidade agitada e cheia de dificuldades.
Retirar-se com o próprio coração, viajando no trem, correndo
para pegar o ônibus, na fila para formalidades administrativas. Isto se pode
obter. Há homens que realmente “estão no mundo, mas não são mundo”. Eles são
como leveduras: ativos, mas calados; preparam verdadeiramente a transformação
do mundo. Entendem que não são eles que transformam o mundo, mas Cristo-Deus
que habita neles.
Trabalham, comprem a vontade de Deus e, em união com Deus
vão transformando o mundo; não como aqueles que sem Deus pensam em transformar
o mundo, acabando com a pobreza, fazendo todos felizes com promessas humanas,
cheias de mentiras. Os que trabalham unidos a Deus necessitam primeiro
transformar seu coração, sua pessoa; fazer a metanoia pra esvaziar-se de si mesmo, e dedicar a oração e á
contemplação, e obter as virtudes de Deus.
A prática da vida interior é um exercício praticado por
todos do Oriente Cristão, e ensina o método, o exercício da oração interior que
esta enraizada na fé e na amizade com Deus. A prática metódica consiste na
transformação total do ser, dos pensamentos, dos sentimentos, das palavras
vazias que serão preenchidas com obras, conforme são ensinadas no Santo
Evangelho: “Viver o Evangelho”.
Oração e contemplação é a mesma coisa, porque é o objetivo
principal do coração que “está inquieto até que descanse em Deus”. Mas antes, o
homem necessita, por causa da natureza decaída, praticar a ascese para alcançar a verdadeira oração: “Derramar o teu sangue e receber o espírito”.
A união com Deus é um dom gratuito, mas recíproco; Deus se
dá plenamente e continuamente, e não se deixa levar por especulações e
interesses humanos. Deus pode tudo, “mas
não pode força o homem a ama-lo”. Isto envolve contínua vigilância, atenção
e abertura para a visita silenciosa do Senhor. Deus passa, golpeia e chama a
qualquer hora, e para isso devemos estar vigilantes atentos e escutá-lo. O
homem, por sua desobediência ao Criado, perdeu a antiga amizade, as relações de
Pai e filho, descarrilou a causa do pecado humano. O homem, decidido a fazer mau
uso do grande dom da liberdade, em vez de amar a Deus, escolhe o próprio
egoísmo, caindo na escravidão; em vez de libertar-se, vai-se escravizando
sempre mais em seus próprios erros, afastando-se assim de Deus, da real
liberdade. Para recuperar a união com Deus e reconquistar a liberdade perdida,
não há alternativa a não ser renunciar o mal, e recuperar seu estado primitivo
de união Divina. Assim começa a ascese, a saída, buscar a ascese é a pratica
dos exercícios corporais: jejuns, vigílias, regimes vegetarianos, continência
sexual. São mortificações corporais necessárias para impor um controle próprio;
ou seja, começar o caminho para a autoconsciência.
de Deus, a luta, a
educação de si mesmo, a prática contínua. O fim principal da 
Assim se chega ao segundo estágio, que é a hesychia; paz, silêncio de coração, da mente. O silêncio
interior é o estado fundamental para o homem que quer viver tranquilamente e
realizar sua vida humana e espiritual. É uma paz espiritual e corporal. Não
quer dizer que irá evitar a luta, buscar a quietude egoísta, despreocupada com
o próximo, mas para remover a própria instabilidade, a insegurança, a angústia,
a excitação, as preocupações que são como bases de areia que fazem incerta a
estabilidade do homem.
É um exercício duro para se chegar a “vigilância e
continência”. É um exercício intelectual, somático, psíquico, que conduz o
homem a unidade pessoal, a esvaziar-se de si mesmo e encontrar-se com a
Divindade. Aqui, a prática da vida interior nos oferece um exercício para
chegar ao centro do coração, ao silêncio completo. O silêncio das almas é um
mistério de nossa época. A alma, ao ver-se independente das ataduras mundanas,
se sente livre, se abandona inteiramente em Deus, então, alcança o pleno poder
de autodeterminação, decisão, controle e discrição; porque é guiado pela luz
misteriosa que existe no coração silencioso. É importante notar que as técnicas
são necessárias para não enganar a si mesmo com um falso misticismo, sem
iniciar um verdadeiro processo de atenção e discrição controlado. O exercício
da vida interior impõe, pois, duras técnicas para não nos levar ao egoísmo e a
um dano interior. Aconselha-se reconhecer a si mesmo como: horrível, miserável,
mortal, mesquinho, pecador, homem limitado e encher-nos de Deus, que é a
verdadeira vida para o homem. Assim começa a metanoia; renovação completa para longe de si, do mundo e buscar a
vida que é Deus.
“Deixe o amor do mundo
e suas desilusões, como sonhos de um dos quais despertas; lance seus cuidados,
abandone todo pensamento vã, renuncie ao teu corpo. Porque viver de oração não
significa senão afastar-se do mundo visível e invisível. Que atrativos tem para
mim os céus? Nenhum. E o que desejo conseguir de você aqui na terra? Nada. A não ser unir-me a ti em oração de recolhimento. Uns desejam a glória; outros
as riquezas. Eu anseio só a Deus e ponho somente nele a esperança de minha
devastada pela paixão.“(S. João Clímaco)
O primeiro passo para encontrar o silêncio interior é
libertar-se de tudo que dificulta a completa união com Deus. Um segundo passo
importante é o exercício de vigilância e da perseverança. Uma vez encontrada a
paz, o silêncio interior, são necessários a vigilância e perseverança, porque o
inimigo, a fragilidade humana, pode desistir do propósito e dos primeiros
resultados obtidos. A renúncia ao inimigo e a defesa de seus ataques é constante,
tanto em si mesmo, como fora. O coração de instabilidade e volubilidade se
converte em uma capela do Senhor, em um silêncio as coisas presentes para
contemplar as coisas divinas. A importância desta técnica se encontra na
combinação do conhecimento de si mesmo, do psicossomático, das atitudes humanas
e espirituais, para controlá-las com a ajuda de Deus e imediatamente descobrir no
silêncio o grande amor de Deus à pessoa humana, chegando assim a saborear as
virtudes da liberdade religiosa. O segredo destes exercícios é querer entrar de
si com a ajuda de um Pai Espiritual, e descobrir interiormente como um é diante
de Deus e diante dos homens. Nada é impossível para o que em meio às
preocupações, viagens e barulhos, encontra no fundo do seu coração um pouco de
paz, silêncio para orar, para unir-se a Deus e libertar-se dos laços que
conduzem a lenta agonia da morte espiritual e pessoal. Lá no silêncio do seu coração,
sentirá a voz divina: “Tudo me é lícito,
mas nem tudo me convém para a salvação”. Temos que ter a liberdade e
fidelidade amorosa ao Deus-Amor.
Para o exercício da vida interior, a oração se converte na
prática essencial dentro da espiritualidade cristã Oriental, tanto para os monges
como leigos, e na Filocalia (=amor a virtude), coleção de textos patrísticos,
se encontra como um programa de bens espirituais que levam a prática interior.
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